Número de ciclistas envolvidos em acidentes sobe 21% num ano. Código da Estrada será alterado para proteger quem anda de bicicleta
Cada vez mais portugueses usam as bicicletas como meio de transporte nas cidades, mas a convivência com os automóveis está longe de ser pacífica. No ano passado, 1485 ciclistas foram vítimas de acidentes, o que corresponde a um aumento de 21% relativamente a 2010. Segundo dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), 29 morreram e 96 ficaram gravemente feridos.
Ciclistas atribuem acidentes ao excesso de velocidade dos condutores. Mas os automobilistas acusam-nos de falta de prudência
Num ano, a proporção de ciclistas no total de vítimas de acidentes rodoviários subiu de 2,5% para 3,5%. À exceção dos motociclistas — que passaram de 8,1% para 9,4% —, os utilizadores de bicicletas foram os únicos a registar um aumento do número de vítimas em 2011. De acordo com a ANSR, todos os outros (peões, condutores de veículos ligeiros e pesados ou de ciclomotores) tiveram menos acidentes.
Fraturas e traumatismos cranianos, provocados por quedas ou embates com automóveis, são as principais lesões que levam os ciclistas ao hospital. E nas urgências o aumento dos casos não tem passado despercebido. No Centro Hospitalar de Lisboa Central, por exemplo, 29 tiveram de ficar internados com ferimentos graves só no primeiro semestre deste ano, quase tantos como em todo o ano de 2010 (34).
Não há estatísticas sobre o número de portugueses que utilizam a bicicleta como principal meio de transporte, mas nas ruas é evidente o aumento registado nos últimos anos. Por efeito da crise ou porque está na moda, a verdade é que se veem cada vez mais, lado a lado com os carros e nas alturas de maior trânsito.
Perante a crescente utilização das bicicletas, o Governo vai fazer uma “alteração cirúrgica de diversas normas” de circulação rodoviária, que deverão entrar em vigor até ao final do ano. “Entendeu-se ser necessário alterar o atual Código da Estrada no sentido de aumentar a segurança dos utilizadores mais vulneráveis, isto é, os peões e os velocípedes”, disse ao Expresso o secretário de Estado da Administração Interna, Filipe Lobo d’Ávila, recusando, para já, adiantar as mudanças.
Para o presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB), José Manuel Caetano, é urgente rever a lei das prioridades e criar ciclovias nas zonas de maior intensidade de tráfego, como a 2ª Circular, em Lisboa. Mas a solução, diz, não tem de passar pela separação total entre automóveis e velocípedes. A estrada pode ser de todos, desde que se passe a controlar a velocidade e se aperte o cerco, com punições exemplares, aos condutores que não cumprem os limites nos centros urbanos, defende.
“Os automobilistas pensam que são donos da estrada e que têm prioridade sobre todos. Não respeitam o limite de velocidade e por isso são quase sempre os culpados pelos acidentes em que estão envolvidos ciclistas”, acusa o responsável da FPCUB. Manuel João Ramos, presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), considera igualmente que o excesso de velocidade dos automóveis “é o principal obstáculo a uma convivência pacífica com as bicicletas”. E aponta o dedo à Câmara de Lisboa, que acusa de promover a ultrapassagem dos limites de velocidade: “O sistema de controlo dos semáforos permite tempos muito prolongados de circulação dos automóveis. Cria ondas de sinais verdes, provocando um estímulo visual que leva os condutores a acelerar. É isso que mata peões e ciclistas. Em Lisboa, é possível circular a mais de 100 km/hora em algumas avenidas, como a Infante D. Henrique, por exemplo, sem nunca ter um vermelho, porque os sinais estão todos abertos e durante largos minutos”.
Ciclistas pouco prudentes
O discurso de Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP), não pode ser mais diferente. O responsável pelo maior clube português de automobilistas considera que as alterações ao Código da Estrada, que vão regular as distâncias em que cada um pode circular para proteger os ciclistas, “serão muito difíceis de aplicar” e terão poucos resultados, até porque a culpa da maioria dos acidentes entre carros e velocípedes não é de quem está ao volante, mas de quem está sentado no selim, diz.
“Claro que os carros têm de respeitar as bicicletas. Mas os nossos ciclistas não têm noção do ambiente rodoviário. São ciclistas de fim de semana que, de vez em quando, tentam ser ecologistas durante a semana e pensam que podem andar por onde querem”.